10 de setembro de 2023
Mateus 18: 15 – 20
Mateus escreve seu Evangelho por volta dos anos 80 a 85, bastante tempo depois do assassinato de Jesus e também durante os anos em que o crescente número de cristãos que enfrentavam conflitos com o Império Romano e a religião judaica, começaram a criar e organizar-se em comunidades para aprender a viver a prática da justiça oferecida por Jesus em uma sociedade injusta. Era uma época de violência e ameaças, de dominação cada vez mais cruel e poderosa. Os cristãos, considerados traidores da religião judaica, foram expulsos das sinagogas. E seguindo o exemplo de Jesus, os novos cristãos tornaram-se uma ameaça à paz romana, uma paz totalmente contrária à paz de Jesus no Evangelho.
O Evangelho de hoje fala da correção fraterna e como realizar esta correção. Mas por trás dessa correção fraterna está um conceito de compromisso com a vida comunitária que é radical e profundo. Provoca-nos a avaliar o nosso compromisso cristão. Provoca-nos a questionar, quem realmente é meu irmão e minha irmã? Com quem tenho o direito de questionar o comportamento? Por que e como tenho esse direito? Mateus escreve às comunidades no primeiro século do cristianismo, época em que as pessoas se organizavam em comunidades para viver juntos a mensagem do Evangelho de Jesus, para viver juntos em unidade e solidariedade, abraçando e defendendo especialmente os marginalizados, oprimidos, violados e excluídos, ao mesmo tempo em que se tornaram capazes de defender a si mesmos e aos outros da dominação, perseguição e maus-tratos do Império Romano e da sinagoga. E tudo isso enquanto através da experiencia descobriram como viver a prática da justiça em uma sociedade injusta. A comunidade deveria ser um espaço alternativo de solidariedade e fraternidade, um espaço para acolher os pobres, os excluídos, os marginalizados, os esquecidos, os maltratados, aqueles que o Império Romano, assim como a religião judaica durante aqueles anos, excluiu, oprimiu e dominou. Nesta comunidade, todos se consideravam irmãos e irmãs. Nesta comunidade, o chamado do Evangelho foi defender este espaço privilegiado de fraternidade e solidariedade. Essa defesa ocorreu por meio de ponderação e reflexão constantes sobre a vida e a morte de Jesus, sua presença contínua, embora diferente entre eles enquanto lidavam com a realidade complexa e violenta em que viviam. Ser cristão foi um chamado ao compromisso e um desafio porque as consequências desta escolha foram graves. Estas comunidades tornaram-se o espaço vivo do Evangelho, o espaço vivido e sagrado da nova e renovadora presença de Jesus entre eles.
Quem são meus irmãos e minhas irmãs? Mateus diz neste capítulo 18 que numa comunidade verdadeira, os maiores e mais importantes são os mais fracos, os mais frágeis, os pobres, os que não têm poder, riqueza e segurança. Estas são as pessoas que a comunidade evangélica acolhe e acompanha. O que distanciaria as pessoas dessa comunidade viva seria uma incapacidade ou falta de vontade continuada de viver intensamente esse espaço sagrado de fraternidade, partilha e solidariedade, deixando que os valores de dominação e poder baseados na riqueza e no privilégio social se infiltrem e finalmente invadam a vida comunitária. A comunidade vive para acolher os mais fracos, espalhar a boa nova e defender espaços de fraternidade, solidariedade e partilha. Essas comunidades são espaços sagrados para viver o Evangelho. Eles só são sagrados, porém, quando vivem radicalmente e defendem sua razão de ser.
Então, quando o Evangelho de hoje diz: “se o seu irmão ou irmã pecar, vá e, a sós com ele ou ela, mostre-lhe o erro…” de que pecado está falando? Por que e como é a correção fraterna? Estamos enfrentando um conflito na comunidade, um comportamento que não é acolhido pela comunidade. Seria um comportamento que se desvia da prática da justiça, do acolhimento acolhedor dos mais importantes da comunidade, da vida comunitária da fraternidade, da partilha e da solidariedade. Seria um comportamento que ameaçaria a integridade evangélica da comunidade. Entendemos que todos estamos aprendendo a viver a prática da justiça evangélica em uma sociedade injusta. Diante do aprendizado e da dinâmica criativa e mentirosa da injustiça, nem sempre é fácil discernir e manter o caminho do evangelho. Aqui há grande necessidade de oração, reflexão e avaliação pessoal e especialmente comunitária. Para defender a nós mesmos e nosso compromisso com nossa comunidade evangélica, precisamos conhecer e ser capazes de reconhecer a realidade cruel e violenta em que vivemos. Precisamos saber disso não apenas pelas notícias nacionais e internacionais, mas primeiro pela palavra e pela experiência compartilhada dos frágeis, pobres, excluídos e abusados. A correção fraterna do Evangelho é antes de tudo um esforço para assegurar a prática evangélica da justiça na realidade em que vivemos. É fazer parte de uma comunidade fraterna e solidária que acolhe os pobres, deslocados, excluídos e marginalizados, que os escuta compartilhar seu sofrimento, história e experiência, que chega a compreender a partir de sua experiência concreta a realidade injusta em que vivemos e muitas vezes sem perceber apoiar e defender. Essa experiência nos dá uma visão e um coração diferentes, pois vivemos juntos em meio à injustiça que nos cerca e descobrimos juntos como não contribuir para essa injustiça criando novas formas de viver e praticar a justiça. Esta prática não é feita sozinha, mas em comunidade. É um caminho construído em conjunto através da vivência e aprofundamento constante do Evangelho, colocado diante da realidade que vivemos e que nos rodeia. A primeira pergunta em uma situação de possível desvio é descobrir em uma conversa pessoal o que está acontecendo e por quê. Como nosso irmão ou irmã na comunidade percebe e entende o que está fazendo? Se as primeiras conversas não esclarecerem a situação, convide outras pessoas da comunidade para ajudar na reflexão. Na maioria das vezes, o desvio começa despercebido e não é intencional. As influências contra a prática da justiça são silenciosas e ocultas. Eles estão até escondidos dentro de nós! Só a convivência e a reflexão contínua revelam o que está acontecendo. Portanto, devemos sempre manter um clima de reflexão e não de julgamento. A correção fraterna nos ajuda como comunidade a não nos desviarmos do caminho evangélico que traçamos juntos. As primeiras conversas são para conhecer a verdadeira situação da pessoa ou pessoas envolvidas, bem como entender melhor o mal que está invadindo nosso espaço sagrado. Se a reflexão e o diálogo em grupo menor não esclarecem a situação, então ela é levada a toda a comunidade. Mantemos sempre presente o clima de diálogo sem julgamento. Só situações extremas exigem a participação de toda a comunidade, situações e conflitos que ameaçam a existência da solidariedade, partilha e fraternidade com os pobres e excluídos, realidades que ameaçam a própria existência da comunidade. Se a pessoa ou grupo não é capaz de ouvir e aceitar a reflexão da comunidade, continuando na sua incapacidade de se integrar plenamente na vida da comunidade, exclui-se pessoalmente da comunidade. Quem faz parte da comunidade são aqueles que fortalecem e compartilham a vida evangélica de acolhimento, ternura, compaixão e justiça. Essa autoexclusão não significa que a comunidade esteja abandonando essa pessoa ou grupo sem manter a comunicação e o compartilhamento. A comunidade continua presente na vida destas pessoas através da oração e do acompanhamento, sempre na esperança da reconciliação. E nesta oração e esperança, a comunidade tem plena confiança na presença fortalecida e ativa de Jesus no meio deles, encorajando também o retorno dos irmãos e irmãs que dela partiram. A presença de Jesus é garantida onde dois ou três estiverem reunidos em seu nome, vivendo em um espaço sagrado alternativo de acolhida, partilha, solidariedade, proteção e transformação dos desprotegidos, marginalizados e feridos do mundo que nos rodeia.
Hoje, quais são e onde estão nossos espaços alternativos, nossos espaços sagrados para conviver com a prática da justiça de Jesus em um mundo tão injusto e cruel? Como criar hoje novos espaços evangélicos que acolham e acompanhem os desprotegidos, os feridos e desprezados de nossa sociedade? Aprender a viver e praticar a justiça em nossa sociedade injusta é um desafio do Evangelho, um desafio que a vida, morte e ressurreição de Jesus oferece a cada um de nós todos os dias e horas de nossas vidas. A complexidade e astúcia da injustiça do nosso mundo tornam-se cada vez mais complicadas e obtusas. A simplicidade do Evangelho, o evangelho do amor, da compaixão, da partilha e da solidariedade, refletido e vivido no sagrado espaço comunitário, penetra e desmascara esta injustiça.
Mateus 18: 15 – 20
Ora, se teu irmão pecar, vai, e repreende-o entre ti e ele só; se te ouvir, terás ganho teu irmão; mas se não te ouvir, leva ainda contigo um ou dois, para que pela boca de duas ou três testemunhas toda palavra seja confirmada. Se recusar ouvi-los, dize-o à igreja; e, se também recusar ouvir a igreja, considera-o como gentio e publicano. Em verdade vos digo: Tudo quanto ligardes na terra será ligado no céu; e tudo quanto desligardes na terra será desligado no céu.
Ainda vos digo mais: Se dois de vós na terra concordarem acerca de qualquer coisa que pedirem, isso lhes será feito por meu Pai, que está nos céus. Pois onde se acham dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles.
Conheça a irmã Jane Dwyer, SNDdeN